Sem renda, cearenses encaram avanço da fome na pandemia

8 de abril de 2021 - 10:19

Escrito por Theyse Viana, theyse.viana@svm.com.br 11:58 / 06 de Abril de 2021.

Um a cada dez lares nordestinos amarga o nível mais grave de insegurança alimentar, segundo estudo nacional


Legenda: Desempregada, Rosilane vive na periferia de Fortaleza com os filhos de 11 e 13 anos de idade
Foto: Thiago Gadelha

Suor frio, dor de cabeça forte, dor “fina” no estômago, tremor, fraqueza. Além da Covid, cearenses têm enfrentado outra epidemia cruzada, de uma doença com causa e sintomas óbvios, mas cuja cura nenhuma ciência é capaz de desenvolver: a fome.

“Eu apertava a barriga pra amenizar a dor, parece que você tá morrendo. Passei dia e noite bebendo água porque não tinha o que comer. Nunca pensei que passaria por isso, já desejei minha própria morte. Só quem sente a fome de perto é que sabe.”

O desabafo cru e desesperador é de Vanusa da Silva, 50, cuidadora de idosos desempregada desde o início da pandemia. Moradores do bairro Álvaro Weyne, periferia de Fortaleza, ela, a filha e dois netos (de 6 meses e 1 ano) sobrevivem do Bolsa Família – R$ 500, dos quais R$ 350 vão só para o aluguel.

Tem dia que a minha mistura é a fome. Só como um ovo ou carne quando a vizinha dá. Um dia ela se admirou porque eu tava comendo arroz com laranja. A gente passa sem comer, criança não. Ou compra o leite ou a comida.

Segundo Vanusa, a situação piorou com o avanço da crise sanitária. Antes, apareciam trabalhos de faxina, lavagem de roupas, cuidados com algum paciente internado. Hoje, as portas estão fechadas.

“A sociedade depende dos periféricos, mas despreza. Ano passado, vinha muita gente doar cesta básica. Mas isso foi se acabando. Nunca imaginei chegar numa situação dessa, de ser saudável e não poder trabalhar”, relata, com a garganta entalada pelo que falta.

INSEGURANÇA ALIMENTAR GRAVE

Acordar sem a certeza do café no copo, do pão no prato, sem saber se hoje vem só arroz, só feijão, ou se é dia de sorte e vem um miúdo de frango no almoço; se sobra para a janta ou se a última refeição do dia vai ser água com açúcar. Ou nada. Milhares de famílias do Ceará vivem assim.

Fazer malabarismo para a escassa comida chegar a todas as bocas da casa é realidade inimaginável para quem não está inserido num conceito cruel: a insegurança alimentar. Pesquisa divulgada pelo IBGE no último setembro apontou que quase 1,9 milhão de cearenses passaram fome ou tiveram dificuldades para conseguir acesso à alimentação, entre 2017 e 2018.